segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Edificai

Ao verso de enlace na rima desproporcional:
ÉS TU, O AVESSO
Criai a ti mesmo de novo e agora. 
Já não era sem tempo, sem nome, sem teto, sem esmola.
Quem eras? Quem és?
Salvai os enganos e os perdoai. 
Do mundo fundo, tudo imundo, o eco não se satisfaz.
Quebra-te.
Ampara-te.
Para-te.
Não dá mais.
Perdoai os enganos, os planos, as linhas, as retas, os anos.
Perdoai o contexto e aplicação.
Não aplica-te. Tece-te. Cria-te. Faz-se novo. Uniforme. 
Exato agora e não o sou-fui.
Quem eras? Quem és?
Cria-te e serás... Até o quando enganar-te mais uma vez.
E assim, perdoai os enganos, os quandos, os danos e a vida, criada mil vezes da mesma semente ilusória. Irreconhecível na unidade.
Cria-te.
E engana-se, pois tu és o mesmo das antigas criações.
Que era, que é.
Em tempo, buscai a ti.
E salva-te, antigo novo, agora.

sábado, 21 de novembro de 2015

Que é que faz?

Ô Deus, que é que faz?
Que é que faz se o mar é lama, lama d’água e incoerente
Que é que faz se o nadar é preciso, mas não se sabe fazê-lo
Ô Deus, que é que faz se a vida é tão assim
Tão assim que não se explica
Tão enigmática
Imprecisa
Ô Deus, que é que faz?
Que é que faz se o santo é forte
A fé cura até a morte
Mas a dor insiste renascer?
Que é que faz, meu Pai
Se ninguém sabe fazer
Se o conjunto todo é uma ida
Se a vida é toda bendita
E, ainda assim, os olhos não conseguem ver?
Que é que faz se não sabe nadar?
Que é que faz se não sabe dizer?
Que é que faz, Senhor
Se todo o dia que deveria de dia se revestir
Inunda-se de noite
E de noite não consegue dormir?
Mas, ô Deus
Que é que faz
Que é que faz se não sabe o que fazer?

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Sem previsão... Quem diria?

Quem diria que de nós o riso se fazia laço 
E a todo descompasso teríamos um ao outro?
Não desate os nós!
Quem diria...
Que a vista da porta fosse mais bonita que a da janela
Que nosso destino fosse toda essa primavera
E a vida fosse tão bonita assim?
Quem diria? Quem diria?

O Discurso finaliza, o ponto é que continua

O que faz de Fulana um alguém importante é o seu existir. Não existiria se não tivesse nascido. Bendito seja aquele que nasce! Amargo aquele que ignora a existência e morre na utopia do prazer que é achar saber o que não se sabe.
De todo modo, Fulana nasceu. Pouco importa se era uma tarde/noite/manhã, se chovia ou se não chovia, se era água que pingava na casa de Seu Antonio ou água que faltava na casa de Dona Madalena, existia um novo nascer. Todo o problema estava na história que não continua. Nas vidas que já não podem ser escritas, não mais.
Fulana morreu assim que nasceu, alguns dias depois de começar o tal ciclo. Morreu assim como morre esse discurso: sem razão. Perdoem esta pobre narradora, mas já não há mais o que contar sobre Fulana. A história é curta, a vida é de tantos, o foco é essencial, mas falho. O segredo está na balança: no modo como se enxerga e que se quer enxergar. 
Fulana morreu. 
Eis o ponto que não é final e as reticências que são imprevisíveis... 
Nasceu, antes de tudo.
E que o nascer é coisa bonita, vocês já sabem. 

sábado, 14 de novembro de 2015

Discurso continuativo de um ponto em reticências. Parte II

Não se enganem, leitores. A história a ser contada não é sobre Raquel, não tem como personagem principal a Madalena, não se trata de nenhum desenrolar de fatos que envolvam essas duas, nenhum ponto a mais nem a menos. Não agora. Nenhuma especificidade, a não ser as próprias observações da narradora que vos fala e que é observadora, ponto de afirmação (isso explica o breve relato anterior).
Insisto, somente, que não desprezem as duas mulheres. Raquel e Madalena estavam em algum lugar no mesmo momento em que histórias de tantas outras vidas estavam sendo escritas. Não as esqueci. A história é a mesma, o foco que é outro ou a vida que é de vários. O que se segue é um complexo espalhar de exclamações seguidas de várias interrogativas, e, observações feitas a partir do lado de cá da história já não podem ser escondidas. A narradora que vos fala é observadora, repito, observa e observa, e pensa, e sente, e vê, mas só enxerga com o coração. Entendam vocês, caros leitores: olhar nenhum, se não o do coração, conseguirá entender esse desenrolar de fatos. Nem esses, nem a própria vida. O segredo está na balança!

Fato número 1 – é tudo um ponto de confusão. 

Que o nascer é coisa bonita, todo mundo sabe. Um par de mãozinhas perdidas pelo ar, perninhas que insistem em balançar e os gritos, temíveis pelos pais, do choro da criança durante toda a madrugada e o restante do dia, e do outro dia, depois outro, e mais outro... Até que o ciclo começa a andar.
Que o nascer é coisa bonita, até aí todo mundo sabe e se não sabe, deveria saber. Mas, o que ninguém sabe mesmo, é como serão as coisas quando o ciclo, o tal ciclo, sai do zero e passa-se a viver. E que viver é coisa bonita...
Viu, vocês já sabem.

Fulana nasceu em uma tarde. Ou era noite, ou uma manhã... ???? (eu não sei, porque minha memória não é muito boa). O importante é que ela nasceu e era linda de se ver! Não era uma tarde/noite/manhã chuvosa, mas chovia, chovia feito a pingueira na casa do Seu Antonio que morava pra lá da cidade de onde Fulana respirou pela primeira vez e que não tem nada a ver com esse relato. O certo é que chovia, mas era no coração de Cicrana e Beltrano. Até hoje fico pensando que, se fosse chuva de água mesmo, tinha dado para encher vários baldes e abastecido a casa de Dona Emília que estava lá no Rio de Janeiro e passava por um perrengue danado... O caso, é que não era chuva de água, que Dona Emília nem sabia da existência de Fulana e que Cicrana e Beltrano estavam eram transbordando de amores.
Entendo que os dois, Cicrana e Beltrano, tinham tantos outros filhos para cuidar e que aquele podia ser mais um (mais uma criança com cara de joelho) que daria mais e mais despesas. Talvez, Cicrana e Beltrano estivessem em crise, e a paixão que inventei no parágrafo anterior quando os dois se depararam com as mãozinhas perdidas pelo ar e o primeiro grito de alivio de Fulana, tenha sido só mais uma ideia bonita. Não largo mão de nenhuma ideia bonita, nenhuma! Por mais impossível que seja, ideias bonitas costumam ser conservadas pelo amor e vivenciadas na sua imensa grandeza. 
E, por isso, são só ideias.

[...]

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Discurso continuativo de um ponto em reticências. Parte I

- Veja só, minha senhora! Continuo arrepiada! Não há mal que ainda nessa vida não seja condenado, não há. Justiça há de ser feita, minha senhora. Veja, veja! - e apontava para os braços e reproduzia caretas e enchia-se de indignação - Ainda estou arrepiada!

A ouvinte parecia se compadecer com os desamores da falante. A elas, daremos os nomes de Raquel e Madalena. Não se faz necessário nenhum outro detalhe, senão o próprio nome e o entendimento de que: Madalena carregava suas cruzes enquanto Raquel só observava e, vez ou outra, exclamava:

- Não duvido mais de nada, minha senhora! De nada! Veja só, estou me tremendo até agora.

Madalena era humana, coisa que parece óbvia, mas nem tanto. De tudo um pouco fazia, para agradar, senão, de tudo um pouco a todos um pouco. Madalena chorava rios de lágrimas, coisa que parece óbvia, mas nem tanto. Já tinha sido feita de sangue, de feridas impossíveis, incuráveis, podres no ódio e na dor. E, apesar dos inúmeros pesares... Madalena era, senão, o amor em pessoa. O amor em sua forma mais ridícula, desacreditado, é claro. 

Raquel era humana, mais espécie que humanização. Era uma boa pessoa, não se pode negar, não negaria. Todavia, Raquel possuía um quê de não sei o quê que insistia em permanecer na superfície das coisas. Sempre à margem de um clichê, de um conceito banal, de uma piada sem graça, de uma curiosidade medíocre e merecida de desprezo acompanhada de nada mais que uma inveja aguda, um elevado grau de interesse pela vida dos outros, mas que não passava disso. Raquel era humana. Pobre de espírito, é verdade, 
mas humana. 

[...]

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Em pessoa e açúcar

que sorriso doce tem essa mulher
menina
grande, grande, grande e mãe
que coração amoroso, olhar carinhoso
e abraço aconchegante
que sorriso doce tem essa mulher
que não larga da menina
criança
e de ser feliz não arreda o pé
não abre a mão
não fecha o sorriso
e que sorriso... doce!


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Um brinde ao copo com a gota d'água

O culpado não seria o tempo. Não seria a casa, nem a rua, nem a cama desarrumada, a louça mal lavada, o jantar para ser feito. Não seria a vizinhança, a culpada. Não seria a tia, o avô, a amiga, o amigo. Não seria a mulher, não seria o filho, não seria o pai. Não seria a cidade que é pequena, a vida que é de todos, a vergonha que é alheia. Não seria o exemplo, não seria o ícone, não seria nada a não ser o alvo e a gota d'água. E o copo, o cálice, o sangue, o medo, o terror. Não seria o tempo, o culpado, mas não seria, senão, o próprio tempo a receber a culpa: do leite derramado, da tempestade no copo de água ou de sangue que transbordaria um nada, que inundaria vidas e mudaria rotas e transformaria vários tudos. 
O culpado  não seria o tempo por conceder tempo para ver. Não seria culpado por ouvir, não seria culpado por falar. Seria por viver? Não, não... Não seria culpa do tempo, a não ser que fosse o tempo jogado fora por não saber o que fazer com o copo que transbordava vários nadas e derramava a tempestade. E, sendo assim, o culpado seria você.