revirou os olhos como gesto de reprovação. Não bastasse todos os desamores que vinham lhe sendo ditos, era obrigada a permanecer calada. Calada ficava. Oras! Desde sempre, aprendeu que só se deve abrir a boca, antes de tudo, para falar algo que seja digno da inteligência que nos é atribuída. Se ouvia algo que não lhe agradava, ficava aos nervos! Precisava falar, precisava retrucar, precisava responder à altura! Mas sempre foi repreendida: Você é nova para entender, fique quieta. Conversa de adultos. Não, não é assim. Não foi isso que lhe ensinei. Pode? Não, não pode! Ouça primeiro... Pavores!!!!!! Acabou foi abrindo mão de suas falas, percebeu que, mesmo tendo algo inteligente a falar, nem sempre seria ouvida. Achava era um horror isso de só ouvir o que bem quer, isso de só falar o que for conveniente, aquilo de ser sempre os outros e nunca ela mesma. Mania desgraçada de inventar um novo eu, sendo que ela mesma era só ela. Pensava isso e aquilo e queria isso e aquilo, não concordava nada com aquilo e isso, mas não repreendia, compreendia, respeitava. Cada qual com sua opinião. Cada um a seu modo. Todo mundo aqui é grandinho.
só não podia deixar de opinar sobre os assuntos, se falar era pecado e não falar era sinônimo de concordância: revirava então seus olhinhos. À toda mentirinha ilusória da mídia: revirava os olhinhos. À toda conversinha sem pé nem cabeça: revirava os olhinhos. À cada nova fofoca da vida de Fulana, do tal escândalo de Ciclano, da violência sem limites de Beltrano: revirava os olhinhos. À cada gesto de impaciência, intolerância, hipocrisia: revirava os olhinhos. Está certo que não era nenhum pouco imune à defeitos, os tinha (alguns em demasia), mas os desprezava. E assim tentava melhorar.
acontece que deixou de opinar. É preciso dizer que o fato de só revirar os olhinhos tornou-a um ser não atuante, não presente. O fato de só revirar os olhinhos, acabou deixando-a sem voz. O fato de só revirar os olhinhos, acabou fazendo com que fosse, somente, mais uma. Mais uma que não faz nada (além de revirar os olhos, é claro). Esqueceu-se da balança, do equilíbrio fundamental, dos aprendizados que "desde sempre, aprendeu que...". Acabou que deixou de revirar seus olhinhos, o mundo tornou-se um pequeno grupo de pessoas e coisas que giravam ao seu contorno e só. Pouco importava se o mendigo lá do outro lado do país fosse morto e violentado por um grupo de jovens, se não sei quem estivesse passando fome, se a saúde estivesse precária, se a educação podia melhorar, se, se, se, se... Tanto "se"! Foi então que seu revirar de olhos deixou de fazer sentido. Se o problema não era seu, não tinha nada a ver. Falava o que fosse conveniente. Se isso era certo, se aquilo não é da minha conta, se eu não posso fazer nada, se... Acomodou-se. É preciso dizer que, sempre que seus amigos a alertavam da sua acomodação, da sua ausência crítica, do seu: "tô nem aí", ela ficava chateada, comunicava que estava cansada, que problema todo mundo tem, que é assim mesmo e depois piora, que a gente tem que se acostumar, calar e consentir, que falar não adiantava mesmo e não tinha mais nada para fazer... então: revirava os olhinhos...
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